Rodrigovk
Escritor, faz-tudo, editor e pai

Sobre o fim da Trasgo [Egotrip]

O conto “Sementes Quechua” foi o último que a gente publicou na Revista Trasgo. Ele é uma fantasia de inspiração andina onde a morte são sementes para algo novo.

Hoje eu vou falar um pouco sobre a Trasgo. Talvez você me conheça como editor da revista, talvez tenha caído neste podcast de paraquedas, mas a Trasgo é uma revista de ficção científica e fantasia (FFC) que editei de 2013 até fevereiro deste ano. Acabamos de publicar o último conto e encerrar a publicação.

Então vou falar um pouco sobre esse assunto, dessa vez em audio, mais improvisado. Até porque em texto já tem um artigo no site da Trasgo e outro aqui neste blog.

A Trasgo surgiu num momento da minha vida em que eu estava muito em crise com minha profissão. Trabalhava em agência como publicitário (publicitário tem data de validade), não era o que eu queria fazer, estava muito frustrado. Numa reflexão sobre o que fazer da vida, me veio à mente a questão da literatura. Sempre gostei muito de literatura, escrevo desde pequeno. Naquela época, era uma parte dormente em minha vida.

Decidi me jogar. Coincidência ou não, nessa época acabei entrando em contato com algumas revistas gringas de contos de FFC, que explodiram a minha cabeça. Eram contos tão incríveis que eu queria mostrar para todo mundo, mas meus amigos não leem em inglês.

Então fui procurar uma revista em português, e não tinha. Ou melhor, o pouco que tinha não tinha sazonalidade, então, taí, vou fazer minha própria revista. Mandei meia dúzia de e-mails para contatos que escreviam, expliquei o projeto, e a galera topou mandar um conto.

E depois de um bom trabalho, a Trasgo surgiu meio no improviso. Apesar de sempre gostar de ler, ser formado em jornalismo e ter trabalhado com edição (de textos jornalísticos), eu nunca havia editado ficção na vida. Apesar do improviso, a gente fez um trabalho legal, desde a primeira edição.

A ideia da Trasgo sempre foi ser uma revista profissional, eu queria fazer direito. Isso envolve grana, mas não via jeito de cobrar logo de cara, então o primeiro ano foi de graça. Nessa época a gente chegou a ter cem, duzentos downloads por edição. Então no segundo ano passamos a cobrar cinco reais por revista, e a média de compras passou para sete.

Ficou muito claro que esse não seria um modelo econômico viável. A partir do terceiro ano, conseguimos um apoio financeiro legal por meio de padrinhos, pegamos um momento em que o apadrinhamento estava começando a crescer no Brasil. Entramos na onda e a revista ficou mais ou menos sustentável do ponto de vista financeiro.

Pelo menos eu não precisava investir dinheiro para a revista sair, conseguia pagar as autoras e ilustrações de capa. Mas a verdade é que o dinheiro sempre foi um nó para a Trasgo.

Editar uma revista é algo que demanda um tempo absurdo. Para ler todas as submissões, fazer tudo o resto. E digo “a gente” porque a revista sempre teve uma equipe para funcionar. E a revista conseguiu, por cerca de quinze edições, sair quase religiosamente a cada trimestre.

Então chegou o momento em que meus filhos nasceram, meu tempo encurtou, e a revista foi atrasando cada vez mais. E chega uma hora que o tempo diminui e não tem como cortar o trabalho pago, afinal, você tem que comer. Então os projetos paralelos vão pro saco, até que não deu mais.

A gente chegou a explorar outros formatos, fazer edições impressas, com o zine e tudo mais, o que foi uma ideia legal, mas eu já estava sem tempo para executar, então acabou uma ideia que não vingou.

Enfim tomamos a decisão de encerrar. E fica aquela pergunta: “A Trasgo fracassou?”

Minha resposta é um sonoro “de maneira alguma”. Essa revista foi muito importante para mim, me apresentou uma porrada de gente. Quando comecei a Trasgo lá atrás, pensei “nossa, preciso de um jeito de me inserir nesse mercado de literatura fantástica no Brasil. Preciso mostrar que existo, conhecer as pessoas.” Então conheci muita gente incrível, fiz amigos por causa da Trasgo, e claro, fiz o nome.

E aprendi muito, muito, muito. Minha escrita melhorou infinitamente quando passei a trabalhar em cima dos contos dos outros, aprendi sobre edição. É aquela coisa, opa, eu preciso editar, então comecei a ler muito, fazer cursos, ir atrás, para poder fazer um trabalho bom.

Por fim, o que foi muito bonito foi ver que a Trasgo inspirou outros movimentos, ver novas revistas que surgiram ou que serão lançadas. Agora está começando a aparecer esse cenário de revistas de contos no Brasil, e isso me deixa muito feliz. Eu não consigo medir o quanto a minha revistinha, meu xodó, tem algum impacto nisso, mas fico muito feliz em ver esses espaços surgindo.

Espaços estes mais democráticos, que abrem para uma literatura mais diversa. Essa sempre foi uma preocupação na Trasgo, eu não queria fazer uma revista de ficção científica de hominho branco para hominho branco, a gente sempre tentou trazer mais vozes diversas, de pessoas trans, lgbtq+, de pessoas estigmatizadas. Na real isso é até algo que acho que falhei. Ou melhor, que poderíamos ter feito mais. Nós tentamos, mas nem sempre as coisas acontecem do jeito que a gente espera.

Fica aqui então o meu agradecimento a todo mundo que participou da Trasgo. A gente publicou 138 contos escritos por 114 pessoas diferentes. E não só quem publicou, mas quem mandou, leu, editou, apoiou, por tudo isso eu sou grato a todas essas pessoas por estes sete anos realmente incríveis.

Para a música da semana, deixo vocês com “All Good Things“, ou “O que é bom sempre tem um final”, da Nelly Furtado com Di Ferrero.

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