Por que será que a gente participa tanto desses vídeo games da vida real acumulando pontos de status sem fim, que podem vir na forma de likes, corações ou seguidores?
Eu estava ouvindo um podcast, Team Human. Era sobre o filme “Feels Good Man“, sobre memes, cultura de internet, e um dos argumentos mas interessantes é que lá atrás o “troll”, o “trickster”, tinha, de certo modo, uma postura anti-establishment. Havia um movimento, inspirado pelo punk, de rejeição a esse comportamento certinho que só beneficiava o status quo.
No entanto, com o tempo essa postura cínica se tornou mainstream. Virou uma arma para propagar discurso de ódio. As frases mais preconceituosas são postadas por autoridades com a possibilidade de, caso dê merda, que “não era para terem sido levadas a sério”.
E aí, o discurso revolucionário, é o discurso íntegro? Talvez.
É muito louco pensar em como isso se liga a outra coisa que o host do programa, Douglas Roshkoff chama a atenção. Que a geração dele não queria saber de trabalhar. A meta era arrumar o emprego mais boçal possível que pagasse as contas trabalhando o mínimo possível e ir viver a vida.
Essa postura punk é um pouco diferente do movimento hippie, cuja juventude era, em grande parte, uma juventude com dinheiro, senão próprio, dos pais. Mas que também construiu a identidade alheia ao trabalho.
O que veio depois, que começou nos yuppies, mas é muito maior e ressoa na minha geração, é a da identidade atrelada ao trabalho. Ao que você faz da vida. Ao trabalho em primeiro lugar.
Que vem sendo substituída pela geração que se mede pela fama nas redes sociais. O que vale são os números de likes, seguidores, as métricas de engajamento.
Claro, existe um recorte aqui de privilégio, e também uma série de vieses econômicos, como o fato de, por exemplo, a mesma grana que um jovem na década de 70 conseguia com um trabalho mequetrefe de meio período, hoje só se consegue com um trabalho de “carreira”. A gente trabalha mais para garantir o mínimo.
O que acho que também reflete nessa transição da identidade para os números nas redes sociais. Com o mercado do jeito que está, um jovem não tem mais esperança (ou ilusão) de sair da corrida dos ratos trabalhando, então pra que tentar?
E vai além do jovem. Essa coisa de aumentar os números tomou as pessoas de todas as idades, bem sucedidas na carreira ou não. É um absurdo o que se gasta em bots para inflar números.
E pessoas tranquilas e moderadas invistam em posts polêmicos só pra chamar a atenção, o que talvez seja a versão contemporânea de comprar um carro maior, colocar um som potente e um monte de leds para sair no rolê como se fosse uma árvore de Natal.
A gente não precisa jogar esse videogame dos likes. Ninguém está obrigando. Então por que a gente faz parte dessa loucura?
Não dá pra puxar a resposta simplista, até porque a busca por reconhecimento é uma das buscas primordiais humanas, ao lado da busca por segurança ou por felicidade.
Pensa na criança em cima do escorregador gritando “pai, pai, pai, pai, olha eu, olha, paaaaaai, pai, olha!” É sua tia repostando coisa que nem ela acredita, procurando o like.
E, pra variar, a pandemia ferrou nisso também, ao tirar as oportunidade de reconhecimento fora da internet, como a habilidade de contar uma boa piada no bar, ou assar aquela costela perfeita.
A gente precisa de reconhecimento, isso está totalmente emaranhado a nossa identidade, seja o reconhecimento na carreira, na internet, ou fora desses dois universos
Antigamente você podia ser um o melhor guitarrista da cidade, e você seria legal pra caramba. Agora você é só mais um no YouTube, onde tem milhares de caras melhores que você. A gente vive na era do vencedor leva tudo. Não sobra nada pro segundo lugar.
O que me leva a crer… Na real, eu não sei muito bem como fechar este episódio. Eu não estou fora disso tudo, tanto que estou aqui, numa segunda feira à noite, gravando podcast para ganhar pontos de internet.
Mas é até uma coisa que eu estava conversando na terapia. Eu gosto de “pensar em público”. Escrever para alguém me ajuda me entender, a dar um sentido no mundo. Talvez te ajude também, espero que sim.
É por isso que às vezes eu penso que o que eu faço tem muito mais a ver com arte que marketing. E lógico, é a busca por reconhecimento que move arte, é só uma forma diferente de caçar likes.
Então tá aí um final. Enquanto a gente conseguir fazer as coisas porque são importantes pra gente, estamos bem. Mais conteúdo autoral, menos repost polêmico. Mais conversa e menos lacração .
Inclusive, se você curtiu esse episódio, ou o que eu faço aqui, deixa um comentário aqui embaixo, manda uma mensalidade privada. Às vezes alguém faz isso e me deixa feliz pra caramba. Muito mais do que um punhado de like, até porque já saíram altos papos que começaram numa resposta.
A música de hoje é Um Tanto, musiquinha gostosinha do Suricato.