Há uns dois ou três anos visitei a casa de um cara para conversar sobre o um freela. Era um artista holandês, ele tinha um projeto na Holanda de um restaurante num galpão industrial cheio de planta e escultura de sucata dentro. Ele morava no Brasil e queria trabalhar em um livro. O projeto acabou não rolando, entre outras questões, porque eu mal entendia o português dele.
Mas a casa do cara… não tinha uma parede reta.
Na época eu estava tentando parecer profissional, então fingi que não vi, mas minha vontade era largar a reunião e ir xeretar em tudo! (Talvez se tivesse feito isso o projeto teria acontecido.) Ele tinha uma sala grande, redonda, o escritório era separado por uma meia parede com um galho torto de beiral, o chão era de pedra, enfim.
Só fui entender aquela casa anos depois quando comecei a entrar em contato com o mundo da permacultura, da bioconstrução. Eu não tinha vocabulário para dizer que eram paredes de taipa de mão, por exemplo. Ou conhecimento para entender que não era coisa de maluco, tem muita gente fazendo isso por aí há muito tempo e hoje.
É um assunto que tenho estudado muito para o espaço que estou construindo, e estava conversando com o arquiteto que está me ajudando com isso sobre como é desesperador entrar num condomínio. Qualquer condomínio. As fachadas são todas iguais. Platibanda, pé direito duplo na sala, vidro, ângulos retos.
Acho que existe um momento que o moderno se torna clichê. Que o design “material” deixa de ser inovador e se torna apático. Que usar Helvetica mostra muito mais falta de ousadia do que senso estético.
O que amarra tudo isso, eu acho que é o Minimalismo.
Dia desses a Vanessa Guedes publicou um Manifesto Antiminimalista na sua ótima newsletter “Segredos em Órbita”. Ela diz:
O antiminimalismo é uma recusa aos espaços monocromáticos, onde o infinito é ocupado pelo monótono, produzindo a veneração ao vazio. O antiminimalismo é contra o desejo de se esvaziar.
E aí que eu queria dar um abraço virtual na Vanessa por tocar nessa questão que alugou um triplex na minha cabeça já faz alguns anos e eu não sabia por onde desmaranhar. Mas em vez de textão, porque eu não tenho respostas, só mais perguntas, deixa eu contar algumas da ideias:
Uma das principais é como o minimalismo está de mãozinha dada com o capitalismo de um jeito bem esquisito. Porque por um lado é sobre consumir menos, ter menos coisa. Mas por outro é uma estética tão limpinha, que não vale aquele sofá que era da sua vó, tem que ser um sofá novo, design clean da tok-stok. Que você não vai guardar esses 30 potes de geleia vazios, tudo diferente, porque se um dia você precisar você vai lá e compra trinta iguais e combinandinho.
Tá, a armadilha da acumulação é justamente você ter milhões de coisas que você pode vir, talvez, a precisar um dia, aí um momento não cabe mais tanta coisa na sua casa.
Mas se você pensar em permacultura, em reutilização, na estética solarpunk, em criar coisas novas a partir de um material reutilizado, você precisa guardar de algum jeito ou em algum lugar.
Sei lá, um dos baratos da minha casa, que não tem platibanda e acabou com um forro enorme, é ter esse espação para encher de tralha, de pé de cadeira, ventilador que o motor funciona mas a pá quebrou, painel gigante de evento, essas coisas que eu posso inventar algo um dia.
Sei lá, essas luminárias faça-você-mesmo, um tapete feito pela sua vó, um sofá que já sofreu na mão de criança, isso tudo dá personalidade pra uma casa.
Eu lembro que uma amiga teve a casa fotografada para uma dessas revistas de arquitetura. E ela contou como veio uma equipe e tirou tudo da casa que tornava a casa dela: um bichinho de pelúcia no canto, uns badulaques que ela trouxe de viagem do mundo inteiro, e deixou a casa “minimalista” pra tirar as fotos da revista. Ficou com cara de casa que não mora ninguém.
Ou seja, nem essa estética que é vendida não é real!
Igual a estética “AirBnB”, “Instagramável”, onde uma sala com uma lampadinha moderna e um tapete comprados numa loja de decoração poderia ser em São Paulo, Recife ou Tokio.
Outro dia fui visitar um amigo do meu pai, o Rob. Chegou lá e o cara mora num castelo. Sério. Um castelo de verdade, feito de tijolos e paredes com meio metro de espessura, na verdade duas grandes torres ligadas no meio. Pelo que entendi foram feitas igual a uma ponte lá da Holanda.
Dessa vez eu não quis parecer profissional coisa nenhuma, pedi licença pros donos da casa e fui conhecer, os donos orgulhosos contando de onde vieram aqueles eucaliptos enormes e sólidos que formavam os pilares da sala.
Eu tô nessa fase da vida, que tem a ver com construção, então eu penso demais nessas coisas. Sobre por que a gente acaba tendendo ao padrão. Que, nos dias de hoje, foi dominado pela estética minimalista, mas, felizmente, parece estar diminuindo.
São mais perguntas que respostas. Então encerro com a última frase da newsletter da Vanessa, que diz:
O antiminimalismo é a celebração das diferenças que tornam seres humanos agentes com vontade própria.
Link para a newsletter da Vanessa: https://vanessaguedes.substack.com/p/manifesto-antiminimalista
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