Estou enferrujado. É a quinta vez que começo um texto sobre a virada de ano. Já tentei falar de números, da pandemia que vem sendo derrotada pela vacina, ou da simbólica subida de Lula ao palácio apontando para um ano de mais esperança.
Quero escrever sobre começos, recomeços e sobre planos. Este ano parece que deu um gostinho mais saboroso escrever a lista de metas para este ano.
(NE: isso foi escrito antes da balbúrdia do dia 8 de janeiro)
Assim como a Gabi escreveu em sua newsletter que metas, prazos e listas ajudam a organizar uma mente divergente, também acho que metas libertam. Há coisa demais acontecendo na minha cabeça, e se eu não estruturo a minha vida, as ideias se digladiam e não faço nada.
Terminei essa semana “A Vida Compartilhada em Uma Admirável Órbita Fechada”, da Becky Chambers, e é engraçado como Cidra, uma IA, está sempre em busca de uma tarefa, de algo para fazer. Em determinado momento descobrimos que Sálvia, uma humana, também é assim. Nunca me identifiquei tanto com um livro. Minha ideia de “férias” é vamos construir uma casa na árvore.
“Organização de tempo é apenas duas coisas: escolher as tarefas (e quais deixar de lado), e decidir o que vem primeiro”, diz o vídeo de 30 segundos no Instagram.
Se minha vida anda muito louca (emprego com plantas, construção de um espaço de marcenaria compartilhada, investimento em agrofloresta, além de toda a parte de escrita), são metas e tarefas que me dão um norte. (E um leve desespero porque não vai dar tempo de fazer tudo.)
Ano passado comecei a costurar isso tudo, principalmente no Egotrip, um videocast com cenas do meu dia a dia de trabalho acompanhado de uma reflexão. Gosto muito do resultado. É um pouco esquisito, falta coerência. Mas pontas soltas fazem parte da estética.
-> (Numa lateral aqui, penso que esse é o tipo de arte que as IAs geradoras (GPT, Dall-E e afins) não vão conseguir fazer, porque tem bastante adubo humano nisso tudo. O resultado é imperfeito de um jeito… humano?)
Só que dá trabalho. Por mais que eu tenha elaborado atalhos para encurtar o tempo de produção, um Egotrip ainda me toma cinco ou seis horas. (Sem contar a gravação, que acontece durante a vida.)
-> (Sobre os atalhos: um script no celular que grava apenas dez segundos de video, fazer a narração com texto pronto e teleprompter, programa específico para sincronizar a legenda e publicar tudo na vertical mesmo, até no Youtube.)
Tudo isso para… 11 (onze) visualizações no Youtube. No Instagram tem mais, acho que em torno de 50 olhinhos por programa. Ainda assim.
Começar algo novo em 2023 é difícil, principalmente, porque temos contadores em tudo. Quantos amigos, quantas curtidas, quantos coraçõezinhos, quantas pessoas leram a sua newsletter.
E pelo viés do vencedor, a gente só conhece as histórias da galera que conseguiu milhares de seguidores em um ano. A gente não vê os 99% que estão crescendo devagar, leitora por leitora. E se pergunta por que se dar ao trabalho.
Comparação é uma merda. Eu deveria saber disso, eu já fiz terapia. Mas é difícil.
Esposa sempre me dá bronca quando eu entro numa espiral negativa, porque fulano já publicou por tal editora, fulana chegou nos mil assinantes e está com o terceiro livro saindo, ciclana assinou com a Cia das Letras! Como se eu estivesse correndo a Copa Porsche com um fusquinha 68.
O lance é lembrar que fui eu que comprei o Fusca. Escolhi mudar para uma cidade do interior, escolhi tentar a sorte num novo negócio, e principalmente, escolhi ter filhos. Não dá para comparar o tempo livre de alguém com e sem filhos. Pai não tem tempo livre.
-> (Em contrapartida, as melhores coisas que escrevi vieram depois que tive filhos.)
A gente dá um jeito, inventa. Mas minha vida é essa. É uma escolha.
Por que escrever essa newsletter? Inventar de gravar um vídeo costurando um monte de cenas curtas com uma narração como se fosse grande coisa? Tudo isso por onze visualizações? Cinquenta? Quanto é “suficiente”? Que numerozinho ali me agrada?
Mudar é abrir mão. Lá pelo começo de 2022 eu estava pensando em que prato deixar cair. Casamento? Não. Filhos? Com certeza não. Colocar coisas online? Eu nem sei por que eu faço isso.
Terapeuta — Por que você faz isso?
Rodrigo — Porque eu quero ser lido. Porque eu falo devagar, pausado, e é normal ser interrompido antes de concluir o raciocínio. Porque é o único jeito que eu consigo me expressar de verdade.
Terapeuta — Parece um motivo válido.
Rodrigo — Mas para dez leitores?
Terapeuta — Quantos você quer?
Escrevo, primeiro, para organizar a mente. Para me entender, colocar ordem nas ideias que vagam a esmo na mente.
Curiosamente, o processo não funciona tão bem em um diário particular. Preciso de um interlocutor, caso contrário, minha tendência é dar voz aos demônios. Posso escrever o que ninguém vai ler, mas preciso escrever para alguém.
Escrevo para os outros o que eu gostaria que escrevessem para mim, um exercício de autocrítica em busca do centro.
Preciso de leitores para a coisa funcionar. Não muitos. Talvez cinco seja suficiente. Felizmente consigo mais que isso em quase tudo o que eu escrevo. Principalmente porque volta e meia alguém responde, e ufa, como isso faz diferença. Não estou sozinho.
Sabe o que seria legal pra caramba? Transformar isso em fonte de renda. Estive tentando fazer isso, em maior ou menor grau, nos últimos dez anos. Caramba, um dos meus blogs se chama “viver da escrita“.
Desisti. Foquei em redação publicitária. Paga as contas, é okei, mas não dá tesão. Mas talvez procurar tesão em trabalho não seja a melhor das ideias.
Para este ano, resolvi voltar a escrever mais. Toda semana, se possível. Mais blog. Mais literatura. O Egotrip é legal, e vai continuar, mas pelo próprio tempo que ocupa, quero voltar ao formato texto, para conseguir mandar mais. Vídeo vai ser o extra de vez em quando. (Até porque, desconfio, a maioria nem assiste mesmo.)
Escrever vai ocupar mais tempo. Mais tempo “trabalhando sem ganhar dinheiro”. Minha esposa tem dois empregos! (Ainda bem que ela não lê essa newsletter, senão já estaria gritando ali da sala “eu não vou sustentar vagabundo!”)
Talvez meu trabalho como redator focado em SEO esteja com os dias contatos, logo, logo as IAs aprendem a escrever em português, e a Internet passa a ser cada vez mais um mundo de textos escritos por bots, lidos por bots, com anúncios clicados por bots e comentários escritos por bots. Talvez a mesma IA faça tudo isso, em algum tipo de masturbação cibernética.
Sobre IAs, o Angelo escreveu um ótimo texto introdutório. Falarei mais sobre o assunto, mas a salada aqui já está longa e uma bagunça. Pensando nisso, dá um certo prazer em escrever algo que só deve fazer sentido na cabeça de outro ser humano.
Começar algo novo em 2023 deve ser difícil. Ver lá o número de assinantes baixinho. Dez, vinte gatos pingados. Era mais fácil quando esses números não eram jogados na nossa cara? Não sei. Até no tempo do Geocities a gente colocava um contador no site, igualzinho ao odômetro do Fusca.
Nessas horas a gente precisa descobrir o porquê. Pra que escrever newsletter? Blog? Pra que colocar vídeo no Instagram? Talvez seja a nossa necessidade de conexão humana gritando. Estender a mão pra ver quem segura. Contar piada para ver quem ri.
Se qualquer IA consegue escrever um texto minimamente coerente e manter uma rotina de postagens, como você se garante no time humano? Como você prova que é humano?
Estive pensando num conselho que li sobre escrever. “Entrega tudo. Não se preocupa de ficar vazio. Não guarde nada para o próximo romance. Vai vir mais.” Não sei se é um bom conselho para um post de blog, ou newsletter. Olha a bagunça que está isso aqui!
Robin Sloan escreveu um negócio interessante: com o Twitter desmoronando, bots aprendendo a escrever, criar imagens, vídeos e afins, talvez seja um momento interessante para tentar algo novo. NOVO de verdade, não um remix do que já foi feito. Algo… humano?
São meus votos para este ano. Que você possa tentar algo novo. Ou que possa descobrir, ou encontrar, ou reencontrar, o motivo pelo que faz o que faz, além do número de coraçõezinhos.
Vou continuar amando ler o que vocês escrevem por aí, em newsletters, Instagrams, blogs. A gente se encontra por aí.
Um abraço,
Rodrigovk.