Tenho uma relação complicada com o minimalismo.
Por um lado é um conceito elitista: “não guarde nada, você sempre pode comprar ou alugar quando precisar”. E minimalismo extremo é chato. A gente gosta de uma bugiganga inútil ou outra.
Por outro, ter coisas demais é exaustivo, e, sendo uma pessoa com crianças e uma casa cheia de coisas, sonho com uma sala digna de foto de revista, sem material de desenho, tesoura, almofada, meias sujas, bichos de pelúcia, caderno, cadeira velha e um pedaço de galho encontrado no quintal.
Estava assistindo a um documentário sobre o tema quando uma frase em particular me fisgou. Parafraseando de memória:
“Éramos muito pobres, então aceitávamos tudo o que nos era oferecido. Minha casa tinha todo o tipo de coisa de segunda mão, de sofás a talheres e bugigangas. A casa era toda cheia de tralha sem valor, não tínhamos nada.
Não sou muito consumista, de comprar demais. Contudo, aceito mais quinquilharia alheia do que eu deveria. Desde quando comecei a morar sozinho, passei a aceitar até aquele sofá florido que minha tia não queria mais. Eu não tinha dinheiro para comprar. Pessoas mais adultas que eu um dia param de aceitar sofás floridos.
Mas, aqui, minimalismo é só um gancho para uma ideia que venho fiando, sobre quanto custa… tudo.
1. O custo de produção
O custo de produção é o custo financeiro, social e ambiental da produção daquele item. Quanto custa um iphone? Quanto custa um carro? Qual o custo ambiental de extrair do solo todo o minério utilizado em cada um destes itens? Qual o custo social de trabalhadores mal pagos em uma fábrica sem ventilação costurando seu tênis?
O maior problema aqui é a externalização dos custos, ou seja, se uma empresa “economiza” ao não tratar seu resíduo, está externalizando o custo à toda a população ao redor da sua fábrica. A carne, por exemplo, tem o custo de novas pastagens externalizado à toda a população, nós “pagamos” pela floresta destruída para pastagens. Mas não no preço da picanha.
Desde a revolução industrial, esse custo foi sempre terceirizado. Só que agora a conta chegou.
2. O valor financeiro
Não me demoro aqui, pois é o mais óbvio quando consideramos “custo”: o quanto aquele item vai salgar seu bolso.
3. O custo para usufruto
Aqui começa a ficar interessante: usufruir do objeto que você comprou tem um “custo”, geralmente em tempo.
Por exemplo, não basta comprar um violão e sair tocando. Existe um custo de “aprender a tocar o violão”.
Ao comprar um livro, o conhecimento não vem se ficar ali enfeitando a prateleira. Você ainda precisa “pagar o custo” de ler o livro. Não adianta comprar os melhores patins do mundo se você não estiver disposta a ir até um lugar para andar e tomar alguns tombos.
Sim, o terceiro item, que coloco como custo, também é prazer, é usufruto. Mas também é um custo, porque você pode comprar 500 livros em um ano, mas você vai bancar lê-los?
4. O custo de mantê-los em sua casa
Cada objeto que temos em casa demanda organização, limpeza, espaço.
Uma Airfryer é legal, faz pãozim de queijo, franguinho, linguicinha boa. Mas ela vale o espaço de bancada que ocupa? Ou a disposição de carregá-la da despensa para a cozinha toda vez que vai usá-la?
Tenho facas demais. Eu gosto de cozinhar, então acabei por juntar mais facas do que realmente preciso, e por motivos de “depois eu arrumo isso”, nunca organizei direito a gaveta que ocupam. Por isso, toda vez que vou pegar uma faca, preciso fazer isso com calma e atenção deliberada para não meter o dedo numa lâmina. São alguns segundos de tensão, mas praticamente todos os dias. Ter menos facas melhoraria minha vida.
O mesmo vale para roupas. Não uso as roupas bonitas que tenho porque estão embaixo da pilha de roupas feias.
Como tenho mais coisas do que consigo organizar decentemente, elas se acumulam nas mesas, nos balcões, no chão, começam a atrapalhar a limpeza, todo o fluxo de energia da casa.
Quando isso se repete com as meias, calças, a dificuldade em achar o cabo de celular certo naquele ninho de fios embolados na gaveta, a minha “dívida” vai aumentando. Convenhamos, é um saco ter que pegar um utensílio de cozinha que está embaixo de outros, principalmente se não estamos falando daquela forma usada só no Natal.
5. O custo de se desfazer
Se não bastasse o custo de manter as coisas em casa, ainda tem o trabalho de se livrar delas? Que absurdo!
Esse é muitas vezes um custo emocional (pergunte a alguém que já teve que esvaziar a casa dos pais).
Aqui em casa, esse último item é que pega. Conseguimos sentar com as crianças e organizar os brinquedos que não queremos mais, mas acabamos paralisados com a indecisão de o que fazer com todos aqueles brinquedos que separamos em uma caixa. Vender? Para quem? E o trabalho de organizar um bazar? Doar? Onde podemos doar? Primeiro precisamos separar os que estão quebrados.
O mesmo vale para roupas, objetos, móveis… Com o agravante que muitas vezes não queremos escarafunchar esse processo por jogar na nossa cara que envelhecemos, as crianças não são mais bebês, engordamos, mudamos de estilo e talvez nunca nos tornamos quem queríamos ter sido quando compramos aquele item da primeira vez.
Por fim, coloco aqui o custo ambiental do descarte desse item. Você vai jogar o celular no aterro sanitário? Só não coloco este como sexto item porque ele é, na verdade, o primeiro. É um ciclo. Ou, pelo menos, deveria ser, se olharmos para economia circular como objetivo.
Eu sei, vibes negativas demais agora que estamos chegando à tradicional época de troca de presentes, amigo-secreto da firma, lembrancinha para a sogra.
Rodrigo, para de pensar demais. Não consigo, socorro! Estou mais ciente do que eu gostaria que quando presenteio pago apenas o segundo custo dos cinco aqui. Os demais são do presenteado (ou da sociedade)!
O truque, na maior parte do tempo, é optar por presentes consumíveis. Todo mundo ama um chocolate ou café especial, uma garrafa de vinho, uma bebida diferente. Ou experiências! Que presente maravilhoso um vale-jantar. Principalmente se vier acompanhado de vale-babá para as crianças.
Meus amigos tanto me conhecem que no último aniversário quase todo mundo me deu garrafas de vinho. Metade delas foi consumida no próprio evento.
Eu não sei. Alterno entre épocas de “ajuda Luciano, tenho coisas demais”, com “a saída nunca é pelo consumo”, com “mas coisas legais são tão legais, quero”. Tão mais fácil se conseguisse ser consistente…
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Links de hoje:
John Wick: sobre dança contemporânea, cinema asiático e tragédia grega– Por Ricardo Oliveira (via Vanessa Guedes)
Outras tecnologias interessantes – Eduf
History Report – Simon Rich
Princesa Unicórnio – Sabrina Roman
Foto de Samantha Gades / Unsplash