Então pra que servem?
Esse ano fui com a família até a Chapada dos Veadeiros, na intenção de realizar dois grandes desejos: o de conhecer o Vale da Lua e de fazer uma looonga viagem de carro em família. Foram mais de 2500km dirigindo, várias cidades, parque aquático, trilha, cachoeira, cerrado, “olha, papai, tem araras naquela árvore!”
Como todo bom pai millennial, levei a câmera. E, claro, o pau de selfie. (Nas palavras do Ângelo, “ser pai é uma puta conquista, a gente devia usar shorts cargo como um troféu”.)
Por que a gente vai tão longe só pra tirar algumas fotos?
Moro em uma cidade turística, cenográfica. O que mais tem por aqui é gente tirando fotos no centro da cidade, buscando os ângulos mais Instagramáveis: câmera no chão, pose de “perdi meu brinco”, mãozinha no ar segurando guarda-chuva. Deve ser como morar em Pisa e ver, todo santo dia, aquele monte de turista fingindo segurar a torre.
Dia desses fui levar as crianças para andar de patins na ciclovia que contorna o lago. Ali, no pequeno deck, a mãe e a criança brincavam (ou fingiam brincar?), o pai fotógrafo de celular. Uma foto atrás da outra, a criança sorria, ou fazia careta, ou queria sair dali para ver as capivaras mais de perto.
Mais de meia hora depois, o sol quase poente, os três ainda estavam ali fotografando, no mesmo ensaio. A criança já visivelmente irritada, a mãe buscando mais artifícios para tirar um sorriso da situação.
Talvez aquele fosse um ensaio profissional, talvez a moça tenha uma marca de roupas, sei lá. Talvez não. Mas é uma visão comum por aqui. Ensaios e mais ensaios. Faz diferença se são “profissionais” ou não? Aliás, o que essa palavra significa nos dias de hoje, quando uma única foto para o Instagram requer mais de 40 cliques praticamente idênticos?
Sou fascinado pela obsessão do registro. Foto ou vídeo? Posada ou espontânea? Selfie ou com timer? E, principalmente, pra quê?
Se redes sociais é essa coisa de autopromoção, a melhor imagem garante o status de influencer, curador de conteúdo, pessoa que tira férias incríveis, se promover como pai, como mãe, como amiga especial, BFF, tudo a um passinho do “comprar coisas com o dinheiro que você não tem para impressionar pessoas que você não gosta“, nas palavras do Clube da Luta. Em vez de dinheiro, é tempo que se esvai.
Tive aula de fotografia na faculdade de jornalismo. O professor, numa conversa sobre a diferença entre digital ou analógica, disse que nenhuma curadoria vai substituir o olhar.
Hoje dá pra filmar tudo com uma câmera 360 graus, congelar o tempo e escolher depois. Será que, nesse caso, tirar a foto acontece na pós-produção?
Quando começaram a surgir os celulares com tecnologias corretivas nas fotografias, muita gente se revoltou. Li sobre uma mãe que havia tirado uma foto banal da perninha do filho, e a câmera do celular “corrigiu” uma mancha de nascença que havia ali, “pensando ser falha de iluminação”. Agora o Google lança um celular com ferramentas práticas para recriar a realidade das fotos.
Talvez logo não será mais necessário passar quase uma hora tirando fotos num pequeno deck à beira do lago.
Pra quê? É um pensamento que vai na linha da vida mediada por telas, a multidão no show com o celular levantado tentando gravar uma experiência que só pode ser vivida com o corpo. A gente não costuma ter fotos daqueles encontros de horas de conversa gasta.
Certo dia, minha mãe estava arrumando as fotografias lá em casa. Eu, adolescente besta que era, olhei aquela criança nada fotogênica em diversas fases da vida, e disse “nossa, como eu era ridículo. Pode jogar fora isso aí.”
Meu pai, com a paciência que ele não costumava ter à época, me disse uma coisa que nunca esqueci. E que só fez sentido, de verdade, quando passei a fotografar minhas crianças.
“Pra sua mãe e eu, essas fotografias mostram que vocês eram felizes”.
Tendo à melancolia. Lembro das várias vezes em que fugi de casa por algumas horas para esfriar a cabeça, lembro de sentir que ninguém me entedia. Mas aquele batalhão de fotografias contam outras histórias: a de uma criança que andava de bicicleta na lama, que estava sempre na piscina com os primos, que tinha festas de aniversário cheias de balões e de amigos. E cada foto dessas faz brilhar uma bolinha aqui nos divertidamente da minha cabeça, e me lembro, e sei, que fui uma criança feliz.
Nenhuma dessas fotos é particularmente bonita, incrível ou digna dos coraçõezinhos de estranhos em uma rede social. Mas a partir dessa colagem de cenas sou capaz de (re)escrever minha história. Como ser narrativo, tudo isso aí faz eu ser quem sou.
Então era isso que eu estava fazendo com uma câmera presa no final de um pau de selfie no meio do parque aquático ouvindo “pai, olha eu, olha, olha!” enquanto via o menino descer no toboágua.
É por isso que no vídeo da nossa viagem tem vários momentos dentro do carro, para lembrar das quase 30 horas dirigindo nesse roteiro. É por isso que tem vídeos tremidos do apartamento simples que alugamos, as malas espalhadas para todo canto enquanto as crianças pintam um livro de atividades.
Porque essas imagens não são para o Instagram. Não buscam curtidas de estranhos ou de ex-colegas de firma.
É um conjunto de registros, que junto a vários outros, tentam contar a história de uma infância feliz. Registros para serem revistos, reassistidos, registros para criar memórias.
Quantos momentos da nossa infância a gente só lembra por causa daquela fotografia na parede?
Procuro fazer uma seleção das melhores fotos de cada ano. É um exercício fascinante, um olhar que não procura as mais bonitas. Muitas das escolhidas estão em ângulos fracos, um pouco tortas, a iluminação ruim. Mas não são fotos para serem admiradas, são momentos para lembrar.
Ser pai é difícil, relacionamentos têm altos e baixos e a vida não cansa de dar umas rasteiras de vez em quando. Mas manter todo esse conjunto de recordações me permite construir a narrativa da minha vida e lembrar que tudo passa. Os momentos felizes, os momentos tristes.
É poder respirar nos piores dias, quando estou me sentindo um pai de merda, depois de gritos e brigas, buscar um refúgio nos momentos felizes e entender que alguma coisa eu devo estar fazendo certo. Eu sei que não dá para editar a memória. Mas pelo menos posso escolher guardar os sorrisos.
Não estou dizendo que você não deveria tirar fotos para o Instagram. Tem gente que tira foto para os outros. Mas as minhas, cai fora, Instagram. As minhas fotos são para mim.
Um abraço e até a próxima,
Rodrigo vK