Rodrigovk
Escritor, faz-tudo, editor e pai

Dá para compartimentalizar a vida?

Olá! Essa newsletter talvez tenha ficado um tanto grande. Tinha muita coisa acumulada, e estou tentando pegar ritmo para voltar a publicar aqui com mais frequência. Na carta de hoje:

  • Atualizações rápidas
  • Um artigo sobre compartimentalização
  • Recomendações
  • Um pedido

Bora?

A vida, o universo

Muito trabalho por aqui. Estou tentando terminar o barracão do Espaço de Fazer para abrir em março, mas já estou atrasado. O jeito é continuar avançando a construção. Deixa ver o que mais:

  • Li “A coragem de ser imperfeito” de Brené Brown, que peguei na biblioteca. Como o trabalho dela é baseado em pesquisa, achei muito rica a demonstração da internalização da culpa baseada em gênero, como (em geral) homens e mulheres sofrem de maneiras diferentes por não atingir expectativas.
  • Li “O Sofá Estampado”, da Lygia Bojunga Nunes. Que livro ótimo! Não sei se cheguei a lê-lo quando criança, mas é impressionante ver que a literatura infantil clássica do Brasil não foge de temas mais densos, nuances e sutilezas.
  • Li “Fortunato Poeira”, da Anna Martino. Podem dar um Jabuti para essa mulher, sim? Um livro lindo sobre como ninguém tem uma faceta só, que tenta responder do que é feita uma vida. Que trabalho de linguagem!
  • Assistimos com as crianças Aladdin (a versão com atores) e O Dia do Sim (ambos meh. Legalzinho). Vimos também Wallace e Gromit: Avengança. Super divertido, recomendo.
  • Terminei a migração do Substack pro Kit (embora a mudança tenha sido num dia só há algumas semanas, ainda havia formulários para atualizar, email de boas vindas, templates e afins). É como mudar de casa: você leva as caixas todas de uma vez, mas até guardar tudo…

Projetos

​Clique para ver no Youtube​

Fiz banquinhos para minhas crianças, usando dois pés de cadeira que ganhei e um resto de tábua de construção. Queria testar uma técnica de curvar madeira, mas não estou muito satisfeito com o resultado (ficou bonito, mas pouco resistente). De qualquer modo, foram vários aprendizados aí.

*

​Clique para ver no Youtube​

Terminei a parede de BTC (tijolo ecológico) do fundo do barracão. Essa parede nem seria feita agora, mas eu estava com muito tijolo sobrando. Até por isso usei alguns que nem estavam perfeitos, o propósito do espaço é aproveitamento de material, por mais que a parede fique com alguns detalhes. A ideia é fechar essa sala para que eu possa guardar as ferramentas até que o barracão tenha portas.

As paredes estão escoradas. O que dará sustentação são as vigas de madeira acima delas. Estou fazendo essa parte agora.

Terminei o piso da casa na árvore das crianças (que não é exatamente na árvore, mas tudo bem). Agora tenho que fazer uma escada.

Outro projeto em andamento é a construção de uma composteira simples no quintal, que venho enrolando há cinco anos para fazer.

Dá para compartimentalizar a vida?

Tenho pensado se é possível compartimentalizar a vida, se é desejável. Se faz sentido eu ter essa newsletter onde falo de literatura, filosofia e sobre o Espaço Kabouter, ou se não seria melhor cada coisa ter uma caixinha separada, uma newsletter separada, um público separado.

Acredito que a maioria das pessoas chegou até essa newsletter pelo que escrevo, ou porque editava a Trasgo, ou porque leu alguma coisa em meu blog. Imagino se não é chato de repente o cara só falar de tijolo ecológico.

Lá em 2011, quando o Google Plus foi lançado, o barato eram os círculos. Ao adicionar os amigos, você os classificava em amigos íntimos, amigos do futebol, galera da bike. Cada postagem seria direcionada ao círculo específico, evitando o que se chama de “​colapso de contexto​”: quando diferentes públicos recebem a mesma mensagem, ou quando uma mensagem destinada a um receptor chega a outro sem contexto.

Na época, achei uma boa ideia. Hoje não sei mais.

Nós ainda somos múltiplos (não sou o mesmo escrevendo aqui, ou no grupo da família, ou no grupo de shitpost de memes de RPG). Grupos privados, como comunidades pequenas, podem ser espaços seguros entre pessoas confiáveis, diferente de um espaço como essa newsletter, em que me comporto como em praça pública.

Anos atrás, Carol Costa comentou comigo sobre como todo mundo tem muitas vidas.

Fortunato Poeira, no livro da Ana Martino, é encontrado morto na primeira página do livro, e cabe a quem ficou tentar montar o quebra-cabeça que foi sua vida, que ganha novas facetas com as personagens que aparecem para o velório. É um livro sobre como é impossível conhecer de verdade uma pessoa, sobre o pouco que a gente deixa em cada um que conhece por aí.

Escrevendo isso percebo um paralelo entre Fortunato Poeira e Big Fish, um dos meus filmes favoritos. No fim, é sobre as histórias que pertencem aos vivos.

Então, temos muitas facetas. Por que insisto em juntar tudo?

(Numa primeira versão escrevi “porque não tenho tempo de manter uma newsletter reflexiva, e outra para o Espaço Kabouter”, mas não é sobre tempo.)

Na verdade, o que acendeu a luzinha foi o podcast da Seiva, ​Clareira​. Nos episódios 8 e 9, com Helena Obersteiner e com Leandro Assis, existem discussões sobre a investigação artística que me ajudaram a entender o que estou fazendo aqui.

A conversa vai sobre como o processo de investigação artística pode consistir em coletar, sentir, seguir a curiosidade sem uma necessidade de estrutura, que o meio do processo pode parecer caótico e sem sentido. É num momento posterior, quando você observa aquilo tudo, ou a arte que foi gerada, e começa a enxergar o fio condutor, a lógica ou emoção emergente.

Percebi que essa newsletter faz parte do meu processo de investigação artística sobre o Espaço Kabouter. Eu vir aqui escrever sobre redes sociais, bioconstrução, sustentabilidade e tecnologia é como crio sentido no que estou fazendo.

Sou, a princípio, escritor. Porque é escrevendo que me entendo. Minha mente é hiperativa demais para que eu consiga escutá-la em voz alta, e é por meio das palavras no papel que consigo organizar os próprios pensamentos.

E é nessa newsletter, quando tento buscar um pouco de coesão nesse Rodrigo caótico que faz tantas coisas ao mesmo tempo, que percebo que existe um sentido e uma direção no que estou construindo, não estou girando em falso sem chegar a um lugar algum.

Chego ao fim do artigo sem responder a pergunta do título. É possível compartimentalizar a vida? Não sei, socorro!

Acho que é natural, não existe identidade sem o olhar do outro, sem um contexto (seja conformidade ou oposição). Compartimentalização é inevitável. Por outro lado, é bom ter espaços onde a gente pode mostrar mais lados nossos, como é, para mim, esta newsletter.

E por mais personagens que eventualmente se conectem em nossas vidas, terminamos sabendo que algumas histórias nunca serão conhecidas.

Recomendações

​A Request for Sustenance – Adam Wilson​

The gift-giving ritual described as “killing wealth” was at once an act of cultural renewal and ecological repair. Some gave and others received, just as the sea gave and the people received. Lest they forget the humility—or ‘grounding’—required to become a human being in the face of a love that vast. Lest they forget where any and all of their generosity came from.

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​A escrita e a máquina: do pecado aos esteróides – Ana Rüsche​

O problema é bem antigo no capitalismo: a quantidade desmesurada da produção de mercadorias, nesse caso, imateriais, termina sendo irracional. Quem vai ler tudo isso? Quem vai parar para pensar sobre isso? Seremos atingidos por uma espécie de empapuçamento da leitura? O excesso de coisas medianas vai nos afastar do que realmente gostamos?

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​On Humans as a Keystone Species – Neal Spackman​

I’m under the impression that most people agree with Agent Smith that homo sapiens is like a virus. There’s a lot of evidence to back up the idea.(…) But there is a different type of taxonomy where species manipulate their environment so thoroughly that it changes whole landscapes: a keystone species. And in general, keystone species create landscapes in such a way that it benefits local ecosystems.

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​multi-hyphen life: liberdade ou precarização? – hele carmona​

O trabalho está mudando e sim, podemos encontrar caminhos mais interessantes dentro dessas mudanças. Mas achar que a resposta está no “empoderamento individual” e na multiplicação de jornadas ignora que, sem articulação coletiva e garantias trabalhistas, seremos cada vez mais miseráveis. Uma mudança no mundo do trabalho como a que Emma Gannon descreve não acontece apenas no nível pessoal — ela acontece quando as estruturas também mudam.

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​língua, arquitetura e você – Luciana Florenzano​

Não é tão fácil, mas sim, é possível ver como a arquitetura também pode falar. Inclusive, a relação entre Eros e arquitetura pode ser pensada a partir da nossa capacidade de comunicação e sobretudo, de conexão. (…) Tudo isso para te dizer que a essa capacidade os gregos chamaram de poiesis: a habilidade humana de criar algo que vai além da simples sobrevivência, que envolve conexão, emoção, significado e experiência sensível. Queremos mais do que habitar espaços. Queremos sentir.

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​O Trio Sideral Contra o Maléfico Imperador Kaibo​
Uma história em quadrinhos por Angelo Dias e Giovanni Pedroni

Fiquem bem,

RodrigovK

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