Engolindo minhas próprias palavras
O problema de ficar um tempo sem escrever é que assuntos acumulam. Minto. Não fiquei sem escrever, foram vários rascunhos e trechos e anotações sobre o que quero trazer aqui. Difícil foi juntar esses pensamentos desconexos.
Isso era para ser uma reflexão sobre assumir o fracasso e desistir da modalidade paga desta newsletter, que abri em novembro. Queria poder dizer que é devido ao Substack apoiar nazistas, mas não é verdade.
Em meu cenário otimista, vinte assinantes pagariam mensalmente. Se ninguém pagasse, nada mudaria. O resultado foi uma única apoiadora,pouco dinheiro e a obrigação de fazer e enviar um zine.
Eu quis dizer, você não quis escutar. Agora não peça, não me faça promessas.
Todo mundo com quem conversei antes da brincadeira disse que não ia dar certo. Lembro bem de uma conversa com a Vanessa no grupo de newsletteiros, respondendo à minha: “Tenho medo de flopar.” “Isso depende do que você considera flopar.” Expectativa, né? Uma merda.
O que mais doeu, no entanto, foi falhar em ouvir a mim mesmo. Havia escrito poucos meses antes:
Quando você não tem ninguém pagando, você tem uma motivação interna, um chamado. E zero responsabilidade. A partir do momento em que o dinheiro entra na jogada, existe um cliente, existe uma expectativa, eu não posso decepcionar as poucas pessoas que confiam no meu trabalho, se não com um bom texto, pelo menos com a frequência. Eu sempre penso que ter assinantes não deveria mudar minha relação com texto, mas, no meu caso, muda. Talvez o problema seja eu, sei lá. (…) Talvez esse seja só um reflexo da minha relação esquisita com o dinheiro, com a sensação de que eu não deveria pedir ou aceitar o dinheiro dos outros, por uma série de privilégios que carrego por ser quem sou, e acabo nessa sinuca onde não consigo transformar isso aqui em trabalho de verdade.
Eu não quero te ver, nem quero acreditar, que vai ser diferente, que tudo mudou.
Foi uma série de cagadas merdamente executadas para o resultado obtido:
- Abrir a categoria paga sem preparação ou aviso aos leitores.
- Frequência esporádica demais.
- Fazer isso no fim do ano, quando eu sabia que não daria conta com duas crianças de férias em casa.
- Não fazer nenhuma campanha para converter assinantes, além de prometer um zine.
Em minha defesa, eu era jovem, precisava de dinheiro freelas minguaram, boletos pra pagar.
Na real, acho que o fato de ter demorado tanto pra voltar aqui foi a crise de realidade que bateu depois, de que o que eu escrevo não é relevante. Minha relação com esse espaço muda demais quando tem dinheiro envolvido. “Não é você, sou eu.”
E o meu erro foi crer que estar ao seu lado bastaria. Ah meu Deus era tudo o que eu queria.
Fazer zine é divertido demais
Escrevi “obrigação” ali em cima, mas ainda que a economia desse troço não faça o menor sentido (custo x receita), fazer zine é uma delícia.
Sempre me expresso por palavras, mas já faz algum tempo que brinco de desenhar. Copiar referências, desenhar a Patrulha Canina na lousa de casa, rascunhar um cenário temático de Halloween que vai ganhando novos monstros quanto mais perto da data… Não é sobre ficar bonito, é sobre fazer. Para esse zine apostar na imagem e economizar nas palavras (sou bem prolixo, sabia?). Escolher a figura que dialogava com o texto de maneira mais aberta, achar a palavra certa, encaixar um ritmo.
É uma pena que foi só para uma pessoa. Exclusivo! Imprimi mais alguns exemplares, dei para amigos próximos, deixei um na biblioteca comunitária do meu café preferido aqui na cidade.
Um Zine em mãos é legal para começar uma conversa.
O melhor foi que, ao contrário de escrever, que é sempre um momento solitário, esse zine foi desenhado na mesa da cozinha, em vários dias, minha filha tentando copiar o casulo, o mais novo dizendo “pai, desenha uma bicicleta pra mim?”
Dei um título auspicioso, “Da necessidade de se reinventar”, e agora quem tem que se reinventar sou eu, ao decidir o que eu faço dessa newsletter, da escrita.
Outro dia, conversando com minha irmã, disse que pararia de escrever. É muito tempo tentando produzir algo que ninguém vai ler, que vai ser rejeitado por editoras, que vai ficar dentro de uma gaveta.
Estava praticamente há meses sem escrever, utilizando as horas curtindo com as crianças, assistindo (muito) desenho animado, jogando (muitos) jogos de tabuleiro, fazendo bolo de chocolate com os minichefs.
Mesmo querendo, eu não vou me enganar. Eu conheço os seus passos.
Menti. Não consigo deixar de escrever. Férias escolares acabaram, rotina voltou ao normal e a cabeça encheu de pensamentos que precisavam ir para algum lugar.
É assim que descubro ser um artista de verdade, segundo a teoria de Beth Pickens:
Artistas são pessoas profundamente compelidas a trabalhar em sua prática criativa e quando se distanciam dela, sua qualidade de vida sofre.
Quem quer ser um influencer mesmo?
A mão coça para fazer outro zine. Eu devo fazer, em breve, mas é a vibe de fazer porque desenhar zine é super legal, com consciência de que aquilo não vai trazer retorno algum. Ou melhor, não vai trazer retorno financeiro, porque às vezes, de repente, a gente recebe um ou outro e-mail que faz tudo valer a pena.
Eu não sei porque penso tanto em arte x performance
O problema de ter ficado tanto tempo sem escrever é que algumas coisas que li alugaram triplexes na cabeça. Começando pelo Eduf, em sua crítica ao filme “Sick of Myself”:
A convivência diária com as redes sociais e tecnologias móveis ajudou a descalibrar a nossa expectativa de quanta atenção deveríamos receber. E quão rapidamente. Parece que temos uma expectativa um tanto rígida de como as pessoas devem se importar com nossas opiniões, estados mentais e chiliques. É que, ao longo dos anos, fomos nos acostumando a ter algum tipo de feedback rápido, muitas vezes até imediato, pras “nossas aventuras mentais”. E, agora, a tolerância à indiferença (ou à demora pra receber atenção) cresceu pra níveis não muito realistas.
Eu me pergunto o quão revolucionário é estar contente com a própria vida, a ponto de nem precisar de foto no Instagram. E volto à proposta que fiz lá em novembro: seu dinheiro em troca de um pedaço de mim.
Vejo pessoas no Instagram ou no Youtube, de cujo conteúdo eu gostava, tornando-se paródias de si mesmas.
Uma das propostas para a newsletter paga era criar uma série em textos e vídeos chamada “vegetariano em 30 dias”, que seria acompanhada de 30 receitas e relatos diários sobre parar de comer carne. Transformar minha própria experiência em conteúdo, a vida como performance. A meta não foi atingida. Não escrevi ou publiquei sobre isso. Parei de comer carne desde janeiro e a vida segue longe dos holofotes.
Até pensei em vir escrever aqui (sobre tornar-me vegetariano, ou sobre todas as outras coisas), mas entre ligar o computador ou jogar Jenga no tapete da sala com meu filho de cinco anos às 3 da tarde de uma segunda-feira, a concorrência era desleal.
Será que devia ter escrito toda semana, jogado um paywall na cara dos assinantes, olha que textos incríveis cheios de conteúdo vocês estão perdendo, inscreva-se agora e quem ligar nos próximos cinco minutos leva inteiramente grátis este incrível desentupidor de pia!
Nunca quis fazer isso, até porque não quero transformar esse espaço em outro trabalho de escrita. Já basta os freelas. Talvez eu devesse? Talvez, se eu tivesse feito a campanha direitinho, teria conseguido mais assinantes? Quantos? Dez? Trinta? Gente o suficiente para me motivar a escrever toda semana?
Antigamente, ninguém imaginava ficar rico com blogs. Eu me pergunto se foram as mídias que mudaram (sistema de incentivo torpe), ou se é só capitalismo tardio, todo mundo tentando transformar qualquer habilidade ou hobby em fonte de renda.
E também penso naqueles 50 reais por mês que eu dedicava a apoiar a arte dos amigos, até que a vida me exige escolher comprar um livro de uma pessoa querida ou levar as crianças para tomar sorvete, e eu não sei fazer essa escolha. (Faço os dois e tento socar mais um freela na rotina).
Tem uma chavinha mudando em minha mente (bem mais devagar do que devia, admito), que me faz querer abandonar de vez a ideia de fazer carreira na Internet. Não vou dançar no TikTok, não vou fazer vídeos sem camisa trabalhando com marcenaria, não vou transformar esse espaço aqui em uma publicação com periodicidade, pauta e assuntos de verdade. Não que eu não saiba, fiz isso por anos e anos para clientes.
Às vezes acho que conseguiria se levasse a sério. E às vezes acho que tem alguma coisa muito errada comigo por não querer fazer o necessário para que isso vire dinheiro.
Seria uma falha moral? Ou uma dificuldade em internalizar a ética protestante de definição do meu valor pelo meu trabalho ou pela minha conta bancária? Ou só chilique de artista?
Eu não sei ganhar dinheiro. (Dinheiro gordo, de verdade.) Tenho amigos que gerenciam investimentos, têm suas reservas, capital investido com consultor financeiro para que o retorno seja bom. Minhas conversas com eles às vezes são engraçadas quando eu puxo “mas aí você tem que assumir que a gente ainda vai ter sistema financeiro centralizado e comida pelos próximos vinte anos”, só pra provocar.
As escolhas que fazem sentido para mim me levam a um caminho diferente. Mais hippie, mais vou investir minhas horas em escrever esse livro que vai ser engavetado e ninguém vai ler, ou vou plantar mil árvores frutíferas pra ver mais passarinho, em vez de estudar, fazer uma pós, aumentar meu passe.
Mas isso é só uma forma cretina de olhar o mundo com privilégio. Eu nunca precisei aumentar meu passe, porque o privilégio abre portas e garante uma rede de proteção. (De fato, os hippies eram filhos privilegiados de uma classe média com dinheiro e estabilidade.)
Às vezes penso em como estaria aquele Rodrigo que foi para São Paulo atrás de uma oportunidade de carreira, encontrou um caminho promissor, e resolveu largar tudo para sair da metrópole em busca de uma vida menos paulicéia.
Hoje me vejo tentando encontrar comunidade, criar raízes, e me pego nesse mato sem cachorro de perceber que os freelas nem sempre conseguem pagar todos os boletos. E a comunidade também não rola, porque meus amigos acabam trabalhando até às nove da noite e não vêm jogar como combinamos.
Não há nada de novo, ainda somos iguais. Então, não me chame, não olhe pra trás.
Estava relendo o post “Eu nunca quis ser patrão” do J.P.Lima (um dos textos que resolveu acampar na minha mente durante as férias e ainda não dá sinais de querer ir embora). Um trecho:
Pode ser que você não sinta que “merece” o que tem, mas a vida não é sobre merecer. É sobre compartilhar, vivenciar, tentar achar alegria e gentileza para dividir com quem a gente ama.
Essa newsletter pode ter falhado como negócio. Mas ainda é um negócio que me faz bem.
Até a próxima,
Rodrigo
Leituras recomendadas:
Eric Novello – Encruza Criativa Ano 2 #06
Acho importante que cada um de nós, independente da nossa profissão, mantenha conexão com algo que nos mova criativamente e, de preferência, nos faça bem. A criatividade pode ser perturbadora e a psiquê humana é complexa, mas um hobby deve nos trazer algum tipo de prazer. Mesmo que o hobby venha a nos dar dinheiro é preciso protegê-lo, na sua essência, da lógica de utilitarismo e descarte do capitalismo.
Aline Valek – O tempo andou mexendo com a gente
Escolher um delírio para chamar de seu é uma questão de sobrevivência em tempos como esse em que vivemos. Se tá difícil para quem já está calejado das decepções de uma vida adulta precarizada, imagina para o jovem que jura que vai se formar na faculdade e já entrar em um trampo que pague dez mil. Deixa as criaturinhas sonharem!
Virginia Valbuza – O simples também é complexo
No entanto, sou invadida por essa sensação dúbia de emoção e angústia que me leva a pensar nisso. Essa emoção que me faz questionar se, na real, o que vemos é um homem totalmente moldado ao capitalismo (quer queira ou não) e que só consegue viver em prol do trabalho, nada mais. Se a alegria demonstrada, na verdade, é apenas uma máscara de quem já foi tão desumanizado que já nem sabe mais a diferença entre ser feliz e performar felicidade.